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Carne fraca?

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Lis Assis | RMA Comunicação

As notícias recentes, veiculadas como consequência da operação da Polícia Federal “Carne Fraca”, propagaram um sentimento de insegurança nos consumidores de carnes e seus derivados. O grande número de informações desencontradas e versões conflituosas ajudaram a alimentar a desconfiança. Afinal, como separar o que é verdade do que é sensacionalismo infundado e como o consumidor deve agir?

O problema é localizado e não generalizado
O Brasil ocupa a primeira posição em exportações de carne bovina e de aves e quarta posição em exportações de carne suína. Isso significa que muitas indústrias frigoríficas brasileiras, até que se prove o contrário, atendem as mais exigentes especificações internacionais. Os incidentes divulgados são pontuais e não representativos de todos os frigoríficos. Por isso não se pode generalizar e assumir que todo tipo de carne fresca (in natura) ou produtos cárneos tenham sofrido adulteração. O consumidor não deve mudar os seus hábitos, embora o incidente possa ter gerado um comportamento mais atento e exigente.

Consumir carne é perigoso?
A carne é uma fonte importante de proteínas, vitaminas e sais minerais. O pH próximo da neutralidade, a riqueza de nutrientes e o alto teor de água disponível para o desenvolvimento de microrganismos fazem da carne fresca um alimento perecível. Isso significa que bactérias, como E. Coli e Salmonelas, desenvolvem-se com facilidade, ou seja, com rapidez, expondo o consumidor a riscos. Cuidados adicionais, portanto, devem ser tomados com esse tipo de alimento e algumas recomendações devem ser seguidas.

Em primeiro lugar, as condições de higiene do estabelecimento devem ser observadas. A contaminação muitas vezes vem do contato com utensílios mal higienizados, de mãos mal lavadas e superfícies que não tenham sido adequadamente limpas. Os órgãos regulamentadores estabelecem uma série de procedimentos denominados Boas Práticas para manipulação de alimentos, em especial os perecíveis. O asseio dos funcionários e do ambiente é imperativo para a preservação da qualidade dos produtos.

Em segundo lugar, a temperatura é fator determinante para o desenvolvimento de microrganismos. Por esse motivo, a carne in natura deve ser mantida refrigerada a temperaturas baixas em toda a sua cadeia de produção e distribuição para o consumo. Se o consumidor perceber que o estabelecimento não promove a refrigeração adequada nos dispositivos de venda — gôndolas dos supermercados, por exemplo, deve recusar o produto. Os equipamentos não podem ser desligados e devem suportar quantidade de produto adequada à sua capacidade. Refrigeradores superlotados podem não conseguir manter a temperatura dos produtos em patamares seguros.

Em terceiro lugar, a embalagem é também um fator importante para a preservação do produto. Embalagens violadas — rasgadas, cortadas — ou molhadas são sinais de que o produto pode ter sido exposto indevidamente. Por isso o consumidor deve rejeitar produtos com essas características.

No momento da compra, o primeiro indicador de qualidade é a cor. É necessário entender que a pigmentação pode variar, no entanto, em função de maior ou menor exposição ao oxigênio e também de outros fatores, como o estresse do animal pré-abate e fatores genéticos. A carne fresca vendida a granel, bandejas ou particionadas na hora da compra, deve apresentar um vermelho vivo, brilhante. A carne embalada a vácuo é mais escura, exibe um vermelho púrpura e isso não significa que sua qualidade seja menor. A diferença está no fato de uma estar exposta ao oxigênio e a outra, embalada a vácuo, não. Por sua vez, a deterioração da carne fresca pode ocasionar o escurecimento da carne (marrom escuro) e o aparecimento de manchas.

Por último, uma vez retirada a embalagem, o consumidor deve fazer uma avaliação sensorial do produto. Odores desagradáveis ou estranhos podem ser sinais de deterioração. A superfície da carne não pode apresentar aspecto pegajoso e possíveis líquidos exsudados naturalmente por ela não podem estar viscosos. Caso haja esses sinais, o produto não deve ser consumido.

E a salsicha, mortadela e linguiça?
Salsicha, mortadela e linguiça são produtos cárneos industrializados, obtidos de carnes de animais de açougue, embutidos em envoltório. As salsichas e mortadelas são necessariamente cozidas, tratadas termicamente, o que lhes confere um fator adicional de segurança, já que o tratamento térmico utilizado elimina microrganismos patogênicos. As linguiças podem ser submetidas ou não a processos de desidratação ou cozimento. Produtos como paio e linguiça portuguesa são cozidos, enquanto linguiça calabresa fresca, não.

Para a produção de produtos cárneos emulsionados cozidos, como a salsicha e mortadela, podem ser utilizadas carnes de diferentes espécies de animais — bovina, suína e de aves. A carne de frango mecanicamente separada (CMS) é aquela carne que resta na carcaça após a retirada dos filés e é obtida por processo mecânico de moagem e separação. A adição de carnes mecanicamente separadas é limitada em 60 % para a produção de mortadelas, 20 % em mortadelas Tipo Bologna, 60 % em salsichas, 40 % em salsichas dos tipos Viena e Frankfurt.

Miúdos comestíveis são permitidos nos tipos mais comuns de salsicha e em mortadela, assim como tendões, peles e gorduras. Não existe nada de ilegal ou imoral na utilização de partes menos nobres dos animais. A gordura e proteína provenientes desses miúdos são importantes para a formação e estabilização do produto, a um custo reduzido. E isso não deve ser visto como demérito, mas como um aproveitamento importante de carnes que não seriam consumidas de outra forma. Deve-se observar que existe legislação específica para cada produto, que estabelece o que pode e o que não pode fazer parte da formulação, assim como os limites de adição.

O ácido ascórbico e o ácido sórbico
O ácido ascórbico, também conhecido como vitamina C, é um antioxidante muito usado na indústria de alimentos. Em geral, utiliza-se um derivado denominado ascorbato de sódio ou seu equivalente, eritorbato de sódio, de menor custo. É um aditivo necessário para a formulação de produtos curados, como salsichas, mortadelas, linguiças e presuntos, uma vez que acelera o processo de cura, garantindo a redução do nitrito ao composto, óxido nitroso, que garantirá a segurança desses produtos. O óxido nitroso inibe o desenvolvimento de bactérias perigosas e letais e provoca a formação da cor característica desses produtos. É importante ressaltar que os aditivos nitrato e nitrito são utilizados em níveis tão baixos que não comprometem a saúde do consumidor.

O ácido sórbico é um conservante, assim como o sorbato de potássio, e atua principalmente contra fungos. É muito utilizado em produtos lácteos e de panificação. Na indústria de produtos cárneos é pouco utilizado, podendo talvez ser usado na superfície de salames para prevenir o crescimento de fungos.

Não se faz recuperação de produtos estragados
A utilização de conservantes ou produtos químicos em geral, para recuperar ou maquiar as características de um produto, como cor e aroma, é uma prática inadequada e proibida por lei. Os conservantes visam preservar e não recuperar alimentos; eles conseguem atuar apenas em matérias-primas e produtos adequados. Na realidade, a conservação de produtos alimentícios é garantida pelo uso de processos adequados, como o aquecimento, a refrigeração e o congelamento. Os conservantes são apenas auxiliares e utilizados somente quando necessários para garantir a segurança e a qualidade do produto.

Papelão pode?
É um absurdo considerar-se a utilização de papelão na formulação de alimentos. Nem tudo na salsicha e mortadela é matéria-prima de origem animal, já que outras fontes de proteína e amido são permitidos em determinados níveis. Porém não existe fundamento técnico nenhum para se acreditar que a adição de papelão seja praticada pela indústria.

A importância da informação
Deve-se considerar que esses episódios se constituem numa grande oportunidade para que os órgãos fiscalizatórios atuem com rigor, coibindo práticas inaceitáveis que configurem crimes econômicos ou contra a saúde pública. Não se pode, entretanto, demonizar a indústria da carne com base em episódios isolados e, sobretudo, ainda pouco esclarecidos. A predominância na indústria de alimentos é a das boas práticas. O consumidor, agora mais esclarecido e protegido, saberá separar os fatos dos factoides.