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Crítica de ‘É Assim Que Acaba’: filme previsível e superficial

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Crítica de 'É Assim Que Acaba'

Foto: internet / Divulgação

Cinema -Adaptações cinematográficas de grandes sucessos literários sempre geram grandes expectativas e, inevitavelmente, discussões. “É Assim Que Acaba”, baseado no livro de Colleen Hoover, tornou-se um fenômeno no TikTok e vendeu mais de um milhão de cópias no Brasil, o que elevou as expectativas em torno de sua versão cinematográfica. Contudo, o filme dirigido por Justin Baldoni, apesar de manter uma fidelidade quase incômoda ao livro, falha justamente nos mesmos pontos que o romance: uma abordagem rasa e ingênua sobre temas sensíveis, como violência doméstica e ciclos de trauma.

Enredo Previsível e Personagens Arquetípicos

O filme segue a história de Lily Bloom, interpretada por Blake Lively, uma mulher marcada por traumas do passado, que tenta reconstruir sua vida em Boston. Ao conhecer Ryle, um neurocirurgião charmoso e bem-sucedido (vivido pelo próprio diretor Justin Baldoni), a narrativa se desenrola de maneira previsível e clichê. O arquétipo do homem atraente, poderoso e emocionalmente indisponível que se apaixona por uma mulher “valorosa” é repetido à exaustão, sem trazer qualquer inovação ao gênero.

Ainda que clichês possam funcionar bem quando usados com habilidade, em “É Assim Que Acaba”, a construção dos personagens é rasa e estereotipada. A protagonista, apesar de ser independente e empreendedora, acaba preenchendo o papel da mulher que conquista o homem justamente por sua recusa em se submeter a relações casuais. Isso reforça uma visão conservadora e simplista, que não dialoga com as complexidades contemporâneas das relações de gênero.

Uma Abordagem Ingênua e Perversa sobre a Violência

O maior problema da adaptação, no entanto, está na maneira superficial como trata a violência doméstica. O filme tenta narrar uma história sobre ciclos de abuso e trauma geracional, mas peca ao reduzir a violência a uma questão individual, sem questionar as estruturas sociais que a sustentam. Em vez de tratar a agressão como um produto do patriarcado e da masculinidade tóxica, o longa parece sugerir que a violência é algo que pode ser evitado se os homens simplesmente se lembrarem das mulheres como mães, filhas ou irmãs.

Essa abordagem ingênua chega a ser perigosa, pois desconsidera as raízes mais profundas do problema. Ryle, por exemplo, não é um homem que se torna violento por conta de traumas pessoais, mas sim alguém que se sente autorizado a ser agressivo por sua posição social. A violência, nesse contexto, é apresentada de maneira quase fatalista, sem oferecer uma verdadeira reflexão sobre as mudanças necessárias para combatê-la.

Uma Oportunidade Perdida

O filme também falha em explorar as dinâmicas entre os personagens masculinos. Atlas, o primeiro amor de Lily, é romantizado por não agredir a protagonista, mas ele ainda perpetua a ideia de que as mulheres precisam de proteção masculina, demonstrando sua força ao agredir outros homens. Essa visão distorcida de masculinidade não é questionada pela narrativa, que se mantém presa a um discurso de autoajuda, sem oferecer uma crítica mais profunda.

Em última análise, a fidelidade da adaptação ao livro se revela mais como uma fraqueza do que como uma qualidade. Ao manter os mesmos problemas narrativos e ideológicos do romance original, o filme se torna uma obra que poderia ter sido muito mais interessante se tivesse ousado subverter as expectativas. A atuação convincente de Blake Lively como Lily Bloom, embora digna de elogios, não é suficiente para salvar a produção de seus problemas estruturais.

Conclusão: Faltou Coragem para Ir Além

“É Assim Que Acaba” poderia ter sido uma adaptação que questionasse as convenções do romance de Hoover, oferecendo uma visão mais crítica e consciente sobre a violência de gênero e as relações interpessoais. Infelizmente, o filme prefere se manter fiel ao livro, sem trazer novidades ou provocar reflexões mais profundas. O resultado é uma obra previsível, que se perde em clichês e falha em tratar com seriedade os temas que aborda.