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Criminosos aterrorizam comunidades tradicionais no Oeste da Bahia e desmatam extensas áreas de Cerrado preservado

Comunidades ameaçadas vivem há mais dois séculos nos territórios e alertam para a seca dos rios da região…

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Desde setembro de 2022 a violência recrudesce contra comunidades de Fundo e Fecho de Pasto na região de Correntina e Santa Maria da Vitória, no oeste baiano. Diversas violências sucederam-se nestes territórios, entre elas ameaças de morte, disparo de tiros, abertura de trincheiras na estrada, destruição de ranchos, pontes e cercas, além de queimadas de veredas, em novas ofensivas realizadas a mando de fazendeiros. A disputa se dá por áreas de vegetação nativa do Cerrado onde ocorre o avanço do agronegócio, repleta de veredas com nascentes conservadas pelas comunidades que há mais de dois séculos se estabeleceram na região.

Trata-se de cinco áreas comunais de Fundo e Fecho de Pasto ameaçadas, estas denominadas Capão do Modesto; Porcos, Guará e Pombas; Cupim; Vereda da Felicidade e Bois, Arriba e Abaixo, que abrangem aproximadamente 25 comunidades de ambos os municípios. Todas essas áreas possuem uso comunal e tradicional ao longo de mais de 300 anos, por aproximadamente 500 famílias que criam seus animais soltos em áreas nativas de Cerrado conservadas e sobrevivem do extrativismo e da agricultura de subsistência.

Durante os últimos 90 dias, as comunidades tradicionais e organizações têm feito inúmeras denúncias junto aos órgãos competentes do Estado da Bahia, porém, a morosidade tem provocado danos e agravos na situação. No dia 28 de setembro, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado encaminhou um requerimento ao governador Rui Costa (PT-BA) e a outras oito autoridades, entre elas secretários estaduais de Segurança Pública, Desenvolvimento Rural, Justiça e Direitos Humanos, Promoção da Igualdade Racial, a delegada geral da Polícia Civil, o chefe da Casa Militar da Bahia, a delegada responsável pelo Grupo Especial de Mediação e Acompanhamento de Conflitos Agrários e Urbanos (Gemacau) e a Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA).

No documento consta que, entre os dias 10 e 18 de setembro, 18 homens com armas de diversos calibres formam uma milícia rural que destruiu casas de abrigo e ranchos do Fecho do Cupim. Informa ainda que um dos fecheiros, membro da comunidade do Capão do Modesto, foi interceptado por homens armados no dia 26 de setembro, na estrada de ligação entre a sede do município ao povoado.

O requerimento protocolado pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado aponta a Fazenda Santa Tereza, a Fazenda Bandeirantes, as empresas Agrícola Xingu e Sementes Talismã como protagonistas dos conflitos contra as comunidades tradicionais, além do estado da Bahia. Até hoje nenhuma providência efetiva foi tomada para acabar com os conflitos e o estado se mantém omisso diante da gravidade dos fatos.

Violência, destruição e ameaças

Em 13 de outubro, seguindo a tradição secular em épocas de seca, um fecheiro saiu de casa no início da madrugada para levar 40 cabeças de gado para o fecho de pasto e foi abordado por cinco homens armados. Um deles começou a xingá-lo, deu um tiro para o alto e mandou ele tirar os animais dali. Das quatro dezenas de animais que levou para o pasto, só conseguiu voltar dois para casa. Os demais caíram pelo caminho, fracos, ou se dispersaram no Cerrado.

“O criminoso mandou eu levar uma mensagem para os presidentes das associações de fundo e fecho de pasto. Falou que onde ele estava tinha dono e quem mandava ali era ele e seus comparsas. Depois disse para eu ‘vazar'”

– contou.

Novos episódios de violência se repetiram no Capão do Modesto logo no início de novembro, ocasião em que dois idosos voltavam da procura de dez cabeças de gado que haviam soltado há alguns dias. Na oportunidade testemunharam um homem armado cortando o arame de uma cerca instalada para os animais da comunidade não fugirem. Ao se aproximarem o jagunço disse aos idosos que iriam matar os animais e seus donos caso os bois não fossem retirados do local, e arremessou um pedaço de madeira contra os fecheiros, que conseguiram desviar.

No mesmo mês, imagens de munições de escopetas e de revólveres exaltando o partido de Bolsonaro, que tem como número 22, viralizaram na internet. Os milicianos rurais, de acordo com a denúncia, estariam escondidos na Fazenda Santa Tereza III, cuja área é de 3.093 hectares.

Morte dos rios

As organizações em defesa dos fecheiros ressaltam que os gerais, áreas de vegetação nativa, são protegidas há pelo menos sete gerações e constituem importantes áreas de recarga do aquífero Urucuia, incluindo nove riachos e diversas veredas. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o avanço do agronegócio na região, principalmente para o plantio de soja e algodão, faz com que os fazendeiros desmatem totalmente as suas propriedades rurais e avancem sobre terras públicas devolutas conservadas por comunidades tradicionais para constituírem as reservas.

Lideranças comunitárias locais explicam que o desmatamento chegou na Cabeceira da Onça – importante cabeceira afluente do rio Correntina, local de maior suporte de água do território, e os fecheiros temem a morte por completo dessa nascente e de outras no entorno. No dia 16 de setembro deste ano, o licenciamento liberado pelo governo da Bahia por meio da PORTARIA Nº 27.052 do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) para os donos da Fazenda Santa Tereza III, onde a reserva está localizada, envolve 2.226,9 hectares. Destes, cerca de 1.300 hectares já foram suprimidos, exatamente onde estão as nascentes de nove veredas, afluentes do rio Correntina.

Histórico de conflitos

Os conflitos na região já acontecem desde a década de 70, no entanto, se agravam a cada ano, principalmente com o avanço do agronegócio em áreas de uso comunal das comunidades tradicionais. De acordo com a recente série de reportagens publicadas pelo projeto Meus Sertões em parceria com a CPT Bahia, o objetivo dos empresários é tomar as terras ainda intactas do Cerrado para cumprir o Código Florestal, que exige reservas legais equivalentes a 20% dos latifúndios, onde se plantam, principalmente, soja e algodão. A lei exige que a reserva seja do mesmo bioma destruído, mas não obriga que ela faça parte das fazendas.