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Sons de lembranças

Coluna de Luara Batalha, engenheira civil, mestre em engenharia de estruturas, atuante em ensino e pesquisa, dedicada às expressões artísticas, leitora voraz, apaixonada pelas letras, teve seu conto “Invasão de território” publicado na antologia Soteropolitanos e atualmente trabalha no seu primeiro romance

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Luara Batalha

Lembranças são “entidades” interessantes. Algumas são suprimidas pela dor e outras tantas nos pegam de surpresa inesperadamente. Acionadas por um local, um cheiro ou uma atividade, diversos são os gatilhos para que elas nos visitem. No meu caso, o convite é sempre feito por músicas. Não importa a situação em que as ouça, me transportam para o momento exato em que me marcaram.

Numa atividade em um curso de escrita, pediram uma lista com as cinco músicas mais significativas para mim. A tarefa não foi tão difícil, então optei por ir além, criei categorias para elas: som de segurança, de amizade, de adolescência, de descoberta e de desilusão. Ouvi cada uma das canções escolhidas e revivi as lembranças as quais elas pertencem para corretamente classifica-las. Embora nem todas estejam relacionadas a momentos felizes, avaliar o caminho que percorri através de uma trilha sonora foi uma atividade bastante agradável. De todos os sons, o mais intrigante foi o de descoberta.

Acredito que o nome da seção musical é autoexplicativo, mas ao longo da vida passamos por diversas situações de descoberta, mas esta se refere, especificamente, a primeira paixão. Apesar de termos todos vivido algo semelhante, é curioso o fato de, na maioria das vezes, recorrermos aos clichês para descrever as emoções despertadas naquele instante. É difícil fugir deles porque são locais comuns que conseguem expressar a mensagem de forma correta a quem nos lê ou ouve, já que retratar esse tipo de sensações exige um dom único com as palavras. Para mim, a exceção dessa regra é o livro Me chame pelo seu nome de André Aciman.

Ambientado durante um verão na década de 80 no interior da Itália, nesse livro acompanhamos a vida de Elio que, apesar dos seus dezessete anos, toca diversos instrumentos, fala várias línguas e está decidindo qual faculdade frequentar. Seus pais, grandes estudiosos, possuem uma vasta rede de amigos intelectuais que visitam sua casa diariamente e transformam o espaço numa verdadeira “feira cultural”. Anualmente são recebidos intercambistas em sua casa nesse período e, o daquele ano, Oliver, trouxe mudanças inesperadas: frio na barriga, mão suada, insegurança, coração acelerado e boca seca; reviver cada uma das conversas tentando descobrir mensagens nas entrelinhas; decifrar o humor do outro a partir da cor do calção de banho; ciúmes, ansiedade e a certeza de que estava vivendo algo novo.

Mais do que apresentar um romance homo afetivo, até porque o ambiente construído pelos pais de Elio é seguro, o livro trata de desejo, de atenção, reconhecimento e pele – como o narrador repete ao longo da história. Quase como um poeta, o autor nos conduz por um mar cristalino de palavras e, também nas entrelinhas, nos faz nos apaixonarmos por esse casal que tenta compreender que sentimento é aquele – o desejo. O foco passa a léguas do preconceito que o casal protagonista enfrentaria e anda aconchegado com a descoberta do turbilhão de sensações que é estar apaixonado.

A música também faz parte da obra, visto que o narrador, Elio, é pianista, e diversas são as cenas que giram em torno dessa arte. De forma imprevisível, a trilha sonora da sua adaptação, hoje, se tornou um som de descoberta para mim, mesmo eu não tendo sido a protagonista do ato e sim mera expectadora numa sala de cinema. O filme tem uma belíssima fotografia e uma variedade de canções que vai desde Lady, lady, lady de Joe Esposito (1983) a Mystery of Love de Sufjan Stevens (indicado ao Oscar de Melhor Canção Original) .

Para alguns, a experiência da descoberta da primeira paixão pode estar tão distante que é difícil lembrar das emoções despertadas no período, mas se não há músicas ou gatilhos que te façam reviver aqueles momentos, duvido que as palavras de André Aciman não atinjam o objetivo:

“Você vê a pessoa, mas não a enxerga de verdade, ela simplesmente está por ali. E você fica lutando para aceitar algo que, sem que você soubesse, vinha ganhando forma bem debaixo do seu nariz, trazendo consigo todos os sintomas daquilo que só pode ser chamado de desejo. Como eu não percebi? Sei reconhecer o desejo. Desta vez, no entanto, tinha passado completamente despercebido. Tudo o que eu queria era pele, apenas pele”.

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