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Palavreado Barreirense

A cidade e sua tarde (Barreiras, BA)

Homenagem de Clerbet Luiz à sua cidade Barreiras, de encantos mil, de um povo hospitaleiro, de coração bom…

Publicado

em

Barreiras

I

Chegaste a esse
presente
com seus passados,
com nossos tantos
passos dados?

Como o passo calmo
do prefeito Aníbal
para o paço municipal?

Ingressas agora
no presente mais presente
que alguns
têm pressa em dizer
que é o futuro;

ingressas toda hora
num futuro impresso
sem olhar para trás
a sua vida pregressa?

Ingressas agora
numa nova fase
como uma mulher mais velha
em sua menopausa?

e a soma de tantos anos
lhe deu esses sintomas
do fogacho?
do rubor em sua face?

E não adianta
mais nenhum disfarce,
mesmo que uma
plástica de soja
já não cubra
suas rugas,

e deixe à mostra
sua face rubra;
deixe as sobrancelhas
de suas serras
arrancadas sem pinça,
depiladas
pelo fogo das
queimadas,
para onde Alice
(parecendo com a outra
do País das Maravilhas)
olha com olhos de lince,
sussurrando
baixinho: “viiiixxxe!”

ou ingressas
agora numa fase
como alguém mais velha,
que, perdendo
o dente siso,
ingressa no avesso
de um abismo,
que é quando
se toma e se ganha juízo?

II

Chegaste adiantada
e verde
como fruta verde
que nos aperta
a mucosa da boca;

como beijo travoso
de umbu cajá,
cidade morena tropicana
eu quero seu sabor;

te quero e te desejo
como uma
grávida ávida
por uma
manga espada
verde,
com sal;

te quero mesmo
sem sal;
faça chuva ou
faça sol;
mesmo
sem carnaval
ou São João;

mesmo sem ter
“cai, cai, balão”;
mesmo sem ter
a mão do fotógrafo Napoleão
aqui na minha mão,
colorindo com colírio
sua foto em preto e branco.

Quem aguenta esse
rojão de ver um
São João sem foguete
e sem os rojões de
Benedito Fogueteiro?

Te quero aos trancos,
barrancos, solavancos,
quebrantos
e encantos,

mesmo ficando a ver
navios por não ver
barcas no porto,
te quero como um
garoto
que quer um rio;
um garoto que quer porque quer
um brinquedo,
um barco de papel,

mesmo sabendo
que ainda é cedo
pra ter o objeto do desejo
(que não é pra quem quer,
e sim pra quem pode);

te quero como um
menino
que não alcança
o seu desejo,
mesmo sabendo
que não tem picolé
o Tonho que vende
cerveja
em lata de alumínio;

te quero como
o outro menino Nezinho,
que já não alcança
no alto da torre o seu sino,
e fica espiando os pombos
naquela torre
fazendo ninho;

te quero como um
bailarino,
um malabarista,
que tenta equilibrar
perdas e conquistas;

que joga três
pássaros pro ar
e só fica com um
na mão.

Não te quero como
um masoquista,
um saudosista:
mais vale um
passado na mão
do que dois imprevistos
voando.

Te quero
menina dos meus
olhos,
mesmo estando quase
cego de tanto te ver;

te quero com água
na boca;
mesmo com os rios
quase vazios,

te quero como um
garoto antigo
ainda preso
às amarras do porto,
como cordões
do umbigo.

III

Chegaste a esse momento
depois do tempo
ou da hora certa?

Chegaste tarde
e antes do combinado?

ou chegaste adiantada
antes do
“adiantado da hora”?

Ainda arde
muitas tardes
em nossa carne!

Nem queira estar
em nossa pele
você que não
sente nosso sol;
que não prega os olhos
no poema
como um peixe
no anzol.

Ainda arde
como uma conjunção
carnal
de fantasia vã,
misturada com carnavais,
ainda arde
esse cais de ontem.

E como arde
em nossa epiderme,
e, como faz alarde,
assim gritamos o nome:
Zé de Heeeeeermes!

Pode-se dizer
agora é tarde
suas tardes tardas?

Posso dizer,
enchendo a boca
para os convivas:
agora é tarde
e Ignez é viva?



Clerbet Luiz

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