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O que busca a magistratura?

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*Vitor Bizerra

Vitor Bizerra, Juiz de Direito na Bahia

Vitor Bizerra, Juiz de Direito na Bahia

“Tempos difíceis”. Eis uma frase repetida à exaustão quando se fala de direitos, deveres, prerrogativas e demais institutos concebidos ao longo da história para que se pudesse garantir um mínimo de pacificação nas sociedades.

No Brasil de hoje a máxima ecoa como um mantra contra políticos e governo – não sem razão – numa visão simplista, míope e autoindulgente. A culpa é nossa. A culpa é da sociedade e, em grande medida, pode ser atribuída a própria Magistratura.

A concepção do Poder Judiciário, a escolha de seus membros e as prerrogativas do cargo são conquistas históricas da sociedade. Nunca de seus titulares. Essa concepção é tão notória quanto negligenciada.

Recentemente o Conselho Nacional de Justiça divulgou o que chamou de “Perfil do Magistrado”. Mas o fato é que falta algo importante neste “raio-x”. Trata-se da postura do Juiz quanto a sua própria condição de garantidor da segurança e certeza jurídica, bem maior em regimes democráticos e em uma sociedade que se pretende livre.

Neste aspecto o Juiz brasileiro é de natureza predominantemente técnica. Formado de pessoas maduras, a magistratura brasileira é trabalhadora e abnegada. Mas será que é combativa? Será que é verdadeiramente livre e independente?

Temos visto, não raro, discussões acaloradas sobre os direitos de “A” ou “B” que tenham sido violados. Mas, e quando se trata dos próprios direitos? O que têm feito os Juízes?

Preocupa sobremaneira o fato de que o exercício da jurisdição esteja entregue a cidadãos sujeitos ao jugo de atuações contrárias a sua própria missão. Apenas para exemplificar, vamos mencionar o CNJ. Em seus anos de existência sua contribuição é inegável para o aperfeiçoamento em alguns aspectos do Poder Judiciário. Porém em outros a situação é diferente.

Achincalhes e defenestrações públicas pré-ordenadas quando deveriam ser secretas (o STF definiu que o “Julgamento” deve ser público. O que há de “julgamento” em uma análise de admissibilidade indiciária para abertura de PAD?); afastamento de Magistrados com mais tempo de carreira que alguns dos julgadores têm de vida; argumentos genéricos e extra-autos expendidos publica e impunemente; processos sancionatórios conduzidos ao sabor da imprensa; pautas que são previamente debatidas e julgadas em sessões secretas – eufemisticamente chamadas de “reuniões administrativas”; processos sancionatórios conduzidos sem que a defesa tenha a prerrogativa de falar por último; aplicação normativa contrária ao próprio entendimento dominante no Poder Judiciário. E por aqui se encerram os exemplos para que não se caminhe para um tratado de críticas.

Neste panorama vemos ainda que projetos de interesse da magistratura são negligenciados pelos seus próprios membros que soam exigir providências às associações, mas se quedam inertes quando se trata apenas de dar um voto eletrônico via internet (Veja-se a questão do ATS: dos 14 mil magistrados existentes no país, vemos que apenas 6 mil pessoas votaram na consulta pública feita pelo senado. Quantos desses são Magistrados?).

O Juiz brasileiro aprende desde cedo o argumento da imparcialidade, da lisura e da discrição. E são esses atributos que estão transformando a classe em uma categoria apática que é assolada por ingerências virulentas que visam sua genuflexão.

E a culpa é nossa. Vivemos uma apatia perigosa. Seja na vã esperança de que não sejamos atingidos pela horda de desmandos que se alastra, seja na busca de receber o “reconhecimento” e a “amizade” da força – ou forca – que avança. Vivemos uma “cortesia” de “corda e pescoço” acreditando que há cortesia. Sonhando que estamos, nós e a sociedade, seguros com tal situação.

O algoz é recebido com tapinhas e rapapés que vão além do necessário respeito protocolar. Omite-se em se responsabilizar quem de direito, por estar em posição “elevada” e ser, ocasionalmente, útil. Dá-se indevido tratamento diferenciado a quem não tem. Silenciamos com a depredação de justos que bloqueiam o “sistema”. Nada fazemos mesmo na ausência de responsabilização dos verdadeiros e notórios “useiros e vezeiros” nas práticas nefastas.

Ao contrário do que se acredita, não existe conforto no silêncio, mas uma concordância tácita para que o mal se alastre e que se ultime o desmonte da Magistratura. Da integridade desta depende a liberdade e o futuro de todos. Magistrados ou não.

Ser Juiz é mais que profissão, é sacerdócio. Quem quiser apenas emprego que busque outra atividade. Quem quiser Poder que busque a política ou o dinheiro. Quem quiser justiça, que lute por direitos, quaisquer que sejam eles. E isso vale também para os Magistrados. Ou se levanta a cabeça e se vai a luta, ou vivemos na hipocrisia do “faça o que digo, mas não faça o que eu faço”.

Quando sucatearam o primeiro grau de jurisdição eu nada fiz, pois não era Juiz Singular. Quando condenaram um inocente eu nada fiz pois eu não tinha nada a ver com ele ou com quem o perseguia. Quando se apadrinhou um apaniguado eu nada fiz pois amanhã poderia precisar do mesmo expediente. Quando se esvaziou a eficácia das decisões dos Juízes Singulares eu nada fiz pois estava para subir ao Tribunal. Quando levantaram a bandeira contra as prerrogativas da Magistratura eu não me importei pois já estava sob a proteção de meus padrinhos políticos.  Até que um dia vi que o “sistema” é impessoal e eu também fui descartado. Aí? Aí era tarde demais.

*Vitor Bizerra é Juiz de Direito na Bahia.