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Dicas Culturais

Roteiro de Sustos #8 – Bahia de todos os fantasmas

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Mônica Moreira | LC Comunicação

M. R. Terci é escritor, roteirista e poeta. Autor de Imperiais de Gran Abuelo e o criador da série O Bairro da Cripta, obras que reforçaram seu nome como um dos principais autores brasileiros de horror da atualidade. | Foto: Divulgação

O que é que a baiana tem? Tem lençóis brancos esvoaçantes, tem! Tem gritos de arrepiar, tem! Sombras de cemitério, tem! Tem lamento na madrugada, tem! É tanto susto que nas proximidades de Alagoinhas, interior da Bahia, em meados de 2012, a polícia rodoviária federal chegou a interditar um trecho da BR-101, pois os motoristas que trafegavam pelo local relatavam estranhos avistamentos no meio da rodovia. Vultos fantasmagóricos e até mesmo animais que morreram atropelados há muito tempo saltavam à frente dos veículos causando acidentes. Verdade ou mentira, quem saberá dizer? O que podemos afirmar com toda certeza é que toda cidade guarda suas histórias de assombração, mitos funestos e seus causos de botar medo. Todo mito reivindica audiência e para saber-lhes as querências, basta assuntar com os locais.

É isso que tem feito o escritor paulista, M. R. Terci, colunista da Revista Aventuras na História. Sucesso de público e vendas na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, Terci já percorreu muito chão e muita página à caça desses mistérios. Exímio conhecedor dos lugares mais perigosos e assombrosos do Brasil, ele não poupa esforços quando o assunto é trazer esses pesadelos para o papel: “Toda cidade guarda seus mistérios, uma cidade com 470 anos esconde muito mais. ” – menciona. A pedido de nossa redação, Terci elaborou uma lista dos lugares mal-assombrados de Salvador e circunvizinhanças! Confiram!

  1. O menor pedaço de terra de todas as 56 ilhas da Baía de Todos os Santos, dizem, é assombrado. A Ilha do Medo merece a alcunha. Partindo de Salvador, são duas horas de barco até ela. Vozes, gritos e gemidos se espremem para fora da mata no momento em que os barcos se aproximam. Um velho casarão em ruínas, antigo leprosário que se prestava a isolar os portadores de hanseníase da capital baiana é o epicentro do fenômeno. O investigador do oculto vai ter muita dificuldade de alcançar esse sítio, pois mesmo durante o dia, os pescadores se recusam a pisar na ilha;
  2. A Feira de São Joaquim, antes denominada Feira de Águas de Meninos, embora não esteja dentre as dicas de turismo de Salvador, vale a visita. É um espaço repleto de história e com fortes vínculos com a comunidade negra, lugar onde aportavam saveiros que traziam para a capital o artesanato produzido no recôncavo baiano. Comidas típicas, tecidos e roupas tradicionais, ervas para remédios, produtos religiosos, tudo a preços excelentes. Oh, sim! Eles também têm uma assombração rondando os corredores atulhados de mercadorias. Muita gente sente fortes dores de cabeça, desorientação e ânsia de vómito após cruzar o caminho do misterioso vulto deformado que, dizem, é um comerciante negro que morreu em 1964, vítima de um incêndio criminoso, em um dos muitos e lamentáveis episódios de limpeza étnica da capital;
  3. Famoso em todo Brasil por seu histórico de comércio com mais de 250 lojas, grande variedade de artigos de artesanato, lembranças e restaurantes, é também conhecido por ser cenário de hórridas narrativas. No Mercado Modelo, o epicurista do assombro que se prestar a consultar qualquer um dos lojistas do Mercado vai ouvir sobre seus túneis assombrados. O lugar já passou por cinco incêndios trágicos. A história oficial diz que os túneis que servem dispensa de bebidas e adega, antigamente tinham outra função. Os escravos que vinham da África eram ali trancafiados e muitos entre estes nunca mais viram a luz do dia. Há ainda gente que se perdeu por ali e nunca mais foi vista. O escrutinador do fantasmagórico nunca deve descer aos túneis sozinho;
  4. Passos que ninguém sabe afirmar a direção, portas que se abrem e se fecham subitamente e aparições enevoadas fazem parte da rotina do casarão conhecido como Casa das Sete Mortes ou Sete Facadas. Localizado na Rua Ribeiro dos Santos, número 24, o lugar foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pois abriga em seus pavimentos, elementos arquitetônicos seiscentistas tais como azulejos azuis portugueses, alvenaria de pedra, além de outros ornamentos de época. Sobre sua afamada assombração, conta-se que em 1755, em um crime jamais desvendado, morreram pessoas naquela casa, entre estas, um padre. A tradição do local conta com diversas versões; uma empregada que se vingou dos maus tratos, uma tragédia amorosa, conspiração política. Recomenda-se cautela aos investigadores do oculto, crimes não elucidados costumam parir os espíritos mais vingativos;
  5. Boataria gera lendas, lendas parem heróis. Mesmo os cemitérios haverão de ter seus heróis e todo teatro que se preze tem seus fantasmas. Muitas pessoas contam casos sobre o Teatro Vila Velha. Conhecido simplesmente por Vila, sua fundação data de 1964, e está localizado na Avenida Sete, no interior do Passeio Público. Fruto da contracultura, do Tropicalismo e da contestação que marcou o momento cultural brasileiro durante a ditadura militar de 1964, o Vila albergou movimentos sociais, como as lutas estudantis da década de 1970. Hoje em dia, o teatro abriga quatro grupos residentes que ensaiam, produzem e se apresentam no local e também, conta-se, o fantasma de um ator falecido, um conhecido artista engajado na defesa da democracia. Considerado um verdadeiro homem de teatro, o dramaturgo, professor de teatro, ator, tradutor, contrarregra, iluminador, cenógrafo, sonoplasta, figurinista, animador e letrista João Augusto, viajou o mundo todo, mas foi no Vila que criou suas mais fortes raízes. Fazia parte do movimento de resistência à ditadura militar, sonhava ir para Cuba, mas falecido em 1979, João não viu a ditadura acabar, mas ainda interpreta um ser curvado, mais negro que a treva mais profunda, caminhando entre as telas da primeira galeria, de início, lentamente, depois, numa velocidade impossível para um ser humano. Uma apresentação digna de aplausos dos mais céticos pesquisadores.

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