Destaques
Essência
Coluna de Luara Batalha, engenheira civil, mestre em engenharia de estruturas, atuante em ensino e pesquisa, dedicada às expressões artísticas, leitora voraz, apaixonada pelas letras, teve seu conto “Invasão de território” publicado na antologia Soteropolitanos e atualmente trabalha no seu primeiro romance
Um dos meus programas preferidos é ir ao cinema. Mesmo tendo a possibilidade de assistir a diversos filmes no conforto da minha residência, não abro mão de comparecer as estreias da sétima arte. A expectativa para o início do filme, todos os trailers que me fazem anotar mentalmente meu retorno àquele ambiente, a pipoca que acaba antes mesmo da película começar. Tudo isso é pura alegria para mim.
Para quem não é cinéfilo como eu, a perspectiva de assistir ao lançamento de um filme à meia noite é incompreensível. Mas, como perder a oportunidade de estar perto de tantas outras pessoas que vibrarão comigo em cada uma das cenas? Ou que reclamarão se a adaptação não fizer jus a obra?
Diversas foram as adaptações de livros feitas nos últimos anos, sendo que algumas delas são vistas e aclamadas até hoje, como Harry Potter, Senhor dos Anéis e Crepúsculo. Adaptações de obras literárias estão sujeitas ao crivo e à grande expectativa dos fãs. Numerosos são os casos de atores e atrizes que são rechaçados pelo público por não se enquadrarem, de forma perfeita, na descrição física do personagem, tal qual feita no livro. Ainda assim, o sucesso na adaptação de uma história em que é possível representar os ambientes e as pessoas, e que os acontecimentos são justificados ao longo da narrativa é, ao meu ver, mais simples de alcançar do que se for preciso mais do que o ato de ler para compreender a obra em questão.
Um exemplo disso é O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Publicado pela primeira vez em 1943, este livro é o terceiro mais vendido do mundo, tendo sido traduzido para mais de 220 línguas e dialetos. Entretanto, apesar de ter atravessado diversas fronteiras, como o personagem título, muitas vezes é confundido com uma simples obra infantil. Sua história é de uma delicadeza tamanha que somente lendo as entrelinhas entende-se o sentido real do texto, aquele além das belas aquarelas do próprio autor.
Com linguagem fácil e textos curtos, acompanhamos os eventos ocorridos com o pequeno príncipe até o seu encontro com um piloto de avião no deserto do Saara. O que faz dessa obra única são os sutis questionamentos – como eu disse, lidos nas entrelinhas – apresentados ao longo dos encontros que o jovem tem, em diferentes planetas, até chegar ali. As conversas com um bêbado, um rei egocêntrico, um homem bastante vaidoso, um empresário ocupado, um acendedor de lampiões e um geógrafo trazem metáforas sobre o comportamento humano, como críticas a soberba e a avareza, que passam despercebidas aos olhos não treinados. Contudo, nenhum desses encontros se firmou tanto no imaginário dos leitores como o com a rosa solitária. É possível amar e odiar aquela rosa, porque, apesar de bela, possui espinhos; mesmo sendo única, é irritante. Ela é complexa assim como nós, portanto, há um reconhecimento.
E por que estou devaneando sobre esse livro? De todas as adaptações que já assisti, a desta obra foi uma das que mais me marcou. A produção conseguiu introduzir as aquarelas ao longo do filme e usá-las como ponto de partida para a construção da amizade entre um velho senhor e uma garota solitária. A história do pequeno príncipe é a base dessa relação e, também, a possibilidade da garotinha viver e aprender a partir de outros mundos.
Por conta da sutileza, é bastante complexo realizar uma adaptação cinematográfica coerente de uma obra como essa, já que a sua compreensão está vinculada a sensibilidade do expectador. Na busca de torna-lo mais factível, o enredo foi levemente alterado, entretanto, seu sentido foi mantido, e isto é mais significativo, porque “o essencial é invisível aos olhos” (Trecho do livro O pequeno príncipe).
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