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Brinquedos: o memorável e o indiferente

Coluna de Luara Batalha, engenheira civil, mestre em engenharia de estruturas, atuante em ensino e pesquisa, dedicada às expressões artísticas, leitora voraz, apaixonada por letras e trabalha em seu primeiro romance

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Por Luara Batalha

Eu sempre fui uma criança diferente. Não gostava de bonecas ou brinquedos de casinha. Não tenho dúvidas de que os adultos tinham bastante dificuldade para me presentear. Consigo imaginar minhas tias em lojas infantis pensando “o que comprar? Essa menina não gosta de nada”. Definitivamente não era uma tarefa fácil.

Acontece, e enfatizo a sutil ironia, que eu, cheia de sobrinhos e sobrinhas postiças, sinto a mesma dificuldade em presenteá-los, mas, neste caso, por duas razões distintas: a primeira se deve ao meu incômodo de que a maioria dos brinquedos coloca as crianças em caixinhas; a a segunda é a minha sensação de que eles já possuem tudo. Entendo que minha fala carrega uma bagagem de uma posição privilegiada, mas é preciso compreender o motivo da minha inquietação para enxergar a amplitude desse pensamento.

Vamos então ao primeiro motivo. Compro os presentes infantis na mesma loja há anos e sempre me aborreço com a nítida divisão de espaço e cores dos ambientes. Um corredor é rosa e possui diversos brinquedos relacionados a tarefas domésticas, inclusive uns que se resumem a uma geladeira. Logo ao lado está outro corredor repleto de jogos de tabuleiro, arco e flecha, kits de ferramentas e tantas outras possibilidades associadas a aventura e estratégia. Não nego que possa haver uma predileção por brinquedos baseada em gênero, mas até que ponto isso não ocorre pelo costume ou pela sensação equivocada de que não há outra alternativa?

Hoje, em retrocesso, acho que eu era a criança que não seguia o padrão e queria os brinquedos do outro corredor. Minhas bonecas serviam como modelos para as roupas que eu cozia, é verdade, mas o mais perto que cheguei de adorar a Barbie foi quando ela passou a ter um jogo de tabuleiro. Então, acredito ser importante disponibilizar opções para todos estilos, permitindo que as crianças escolham a que vai, efetivamente, fazer sentido e dar prazer a elas.

Sobre o segundo tópico, existe um egoísmo nas entrelinhas. Eu não quero que aquele seja mais um presente no meio de tantos. Meu desejo é que seja o melhor que eles já receberam na vida e que anos depois eles lembrem com carinho do presente e da tia legal que pensou naquilo. Por exemplo, em uma ocasião minha avó me deu um livro de poesias. Eu tinha menos de nove anos e lembro dos comentários dos adultos sobre como eu era uma criança e deveria ganhar brinquedos, o que de alguma forma está conectado com meu primeiro argumento. O mais engraçado é que eu amei o livro Para Gostar de ler – Volume 6 – Poesias. Foi através dele que Cecília Meireles me apresentou a uma pequena bailarina e eu visitei uma casa sem teto com Vinícius de Moraes. Décadas depois ainda posso declamar os versos e não tenho dúvidas de que ensinarei eles aos meus filhos. Este foi um presente memorável.

Imagem: Reprodução Pensador

O importante ao comprar esses presentes é ter em mente que não será você a receber aquilo e que a escolha precisa ser baseada na criança e no proveito que ela tirará daquela experiência. Então, tentando atender a essas inquietações, o que me tornei? A tia dos brinquedos educativos e unissex. A tia que presenteia jogos de tabuleiro que ensinam aos pequenos a serem empreendedores e empresárias. A tia dos livros. É, talvez esse rótulo não seja tão ruim.

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