Um menino em Ataliba

Aí está o pintor Ataliba Campos aos quinze anos de idade | Foto: Divulgação

Bem dentro de nós
há uma criança invisível
que nós guardamos
com seu riso
em baús e quintais.

Dentro do pintor
Ataliba
devia ter
também um menino
como esse da foto,
que foi dele um curumim
de sua própria tribo.

Um menino
que ele teria em sigilo,
guardado dentro
de seu esconderijo,
ora brincando de dida,
ora de esconde-esconde,
à margem do rio Grande,
ou, mais longe,
à beira do rio de Ondas.

Olha a luz
de sua pupila.
Olha a sílaba
querendo sair
de seus lábios.

Olha o olho vivo
abaixo da sobrancelha
como serra da Bandeira,
que um dia ele viria
a pintá-la em sua tela.

Olha a pétala
na ponta das orelhas
para a pintura de estrelas.

Olha os cabelo,
ainda sem o rabo-de-cavalo.

Um menino
em linguagem de libras,
acenando
para o rapaz que
ia se fazendo homem
de nome Ataliba,
vizinho do beiradeiro
Biriba no bairro
Barreirinhas.

Olha o menino
letrado e ladino,
espalhando latas
de tintas,
e letras sobre Marias,
Marielles e negras mulheres
da vida, tidas como raparigas.

Um menino
pintando um floreado sete,
e confetes
que enfeitam mandalas.

Menino atrás das telas,
lambuzado de tinta
das latas.

Dentro de Ataliba,
um menino
com seus risos
guardado em baús
e quintais;
dando a mão a Ataliba,
pra onde esse fosse
a levá-lo,
sempre a pé,
nunca de bicicleta ou a cavalo.
Um menino
(agora sem Ataliba) calado.

Ninguém sabe
o que ele, na foto,
calado, quer.
O menino que estava
dentro de Ataliba
fugiu pra que lado?

Deve estar dentro
do peito de outros
pintores,
bem mais perto que pensamos.

A folha da juventude
é o nome certo
desse pintor.

Quantas vezes
ele se escondeu?
Ja podaram seus momentos
Desviaram seu destino
de uma margem
para a outra do rio.

Há que se cuidar
do broto desse menino
que vive em outros
pintores
simpatizantes de Ataliba.

Clerbet Luiz

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