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Palavreado Barreirense

Nezinho sem o sino

Nezinho faleceu nessa segunda-feira (05/07) em Barreiras…

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Nezinho sem o sino

Nezinho e o Sino | Foto: Juju Barcelona Brasil

Sentado agora numa cadeira fixa
(e não de balanço),
Nezinho, nessa paisagem,
parece querer alcançar outra margem;
parece querer erguer-se ainda mais;
mais do que os dez mil degraus
que por toda a vida ele escalou.

Nezinho, nessa imagem,
como uma criança numa escada
para escalar um muro
e pegar numa árvore o seu fruto,
parece querer alcançar, sem furto,
a antiga paisagem de sempre e de cima:
uma torre com um campanário e um sino.

Como apartar a sina traçada
em sua palma
desde o início dele menino?
A sina que adentrou a alma
para ir além da epiderme;
sina amarrada nele à corda
como a corda amarrada no sino,
que ele, de tanto atado
ao badalo deste,
permanece até hoje sempre menino.
Sempre brasão, bandeira e hino;
sempre símbolo
da pátria barreirense.

Recolhido agora em sua vida privada
erguendo seu altar do próprio punho na sala-de-estar,
imagina sua torre e sino particular no cume;
na cumeeira que ele mira
enquanto reza
fitando as infinitas estrelas
além das telhas.

E o sino sem Nezinho
é um sino sozinho;
é uma relação menos íntima,
menos de irmão e mais primo:
parece que o sino saiu da torre
e a torre sobe mais ainda
e fica muito mais acima;
próximo às nuvens mais nubladas
que camuflam a cor do sino,
colocando mais bronze, cobre e estanho
outras cores que o estranham.

O sino sem Nezinho
tenta aprender outro ritmo.
Mas um sino idoso,
como um papagaio velho,
aprenderá nova linguagem?

E a lição que o novo sineiro o ensina
aprenderá o velho sino?
esse que está mais distante
de Nezinho vários degraus acima.

E o novo sineiro menino
dará a mesma batida e dobre
que faça lembrar o primeiro
e caseiro toque dado pelo
antigo menino sineiro?

Menos zinco e menos Nezinho;
mais bronze e menos cobre
dará ao sino um outro dobre?
Nezinho, que não perdeu o trem das onze,
que permanece lúcido e não zonzo,
apesar de ouvir zoar perto do seu ouvido
um sino feito de liga de bronze.

Nezinho sem o sino
é como um menino que vê de longe um brinquedo
sem poder, no entanto, alcançá-lo.
Ou um homem, que querendo

ser um eterno menino,
para ter seu brinquedo por perto,
já não tem forças para dar corda
ao objeto do seu desejo.

Já não tem o mesmo pique,
como o menino de outrora,
para correr ao encontro
do sino e fazê-lo vibrar
em dobres e repiques,
como fazia antes de meia em meia hora.

Ou um homem que, querendo
ser um eterno menino,
para ter o seu brinquedo por perto,
já não tem forças para dar-lhe cordas;
para arremessar essas cordas
por cima das grandes portas;
e, embora conheça sua rota,
já não se move como antes:
passageiro que a si mesma transporta.

Mas, o que importa mesmo
não poder alcançar o brinquedo
o menino que um dia o teve?
se por muito tempo o reteve
e o conservou sem trincas nem defeito
e é melhor o ter tido
do que alguém o ter prometido
e não o ter dado,
o ‘brinquedo” abençoado e sob os seus cuidados.

Como um beiradeiro cristão
que evita dizer:
“Dessa água não beberei”
volta agora Nezinho a rever o sino
como um peregrino
voltando à gruta da Lapa
para pagar a promessa
pela graça alcançada

de poder ter vindo pela calçada,
escalado muitos degraus,
de ter muque e pulso
para impulsionar a corda
e fazer vibrar o sino,
que dá o sinal aos cristãos
que estavam, que estão,
e que são testemunhas do sacristão
que está no meio de nós.

E ele volta à antiga esquina
onde por longas décadas
deixou seu rastro pelo chão.
Ergue-se para o alto
e fixando os olhos acima da imagem de São João Batista
demora-se enamorado
ante a visão do sino.

Depois de fitar a torre;
depois de admirar o vento
que envolve o campanário;
depois de sentir-se nas nuvens
louvando os ares
e o carneiro de São João Batista;
depois de passar a tropa dos pombos em revista,
ele cai em si com joelhos e pés no chão

Não houve quem amasse mais uma torre
que o Corcunda de Notre-Dame.
Não há quem ame mais o sino
que o côncavo homem que não se cansa;
esse do Oeste da Bahia,
às margens do rio Grande;
o outro, às margens do rio Sena,
na Paris da distante França.

Entre badalos, os calos sem intervalos,
e, calejadas à fricção da corda,
suas mãos se tornaram lisas.
Nunca se ouviu Nezinho dizer:
“Ajoelhou, tem que rezar!”
pois com seus joelhos ele traça o seu caminho,

ergue-se e erigia sua obra
de um operário que iça uma corda
pra levar ao último andar
a força do seu trabalho,
o suor empregado no badalo
(e sem o uso de roldanas ou carretilhas
e sem estudar manual ou cartilha
dos outros mestres de obras).
E, em vez de uma, duas cordas,
na ordem coordenada
da coordenação motora que ele elabora.

Como abafar as ondas sonoras daquele sino
que ainda se prolongam
nos tímpanos do sineiro-menino?
e, uma vez geradas na bacia de bronze,
continuam em ondas que não estrondam
por uma borda da bacia do rio Grande.

E entra por outra porta:
a dos pavilhões dos tímpanos
de quem os fez vibrar de meia em meia hora.
Como abafar agora, neste sineiro,
as ondas sonoras que atravessam
canais e tubos do seu ouvido interno?

Ali próximo ao carneiro
de São João Batista,
depois da revoada dos pombos,
passando a “tropa” em revista,
ele olhando pro alto avista,
sem tocar, a torre e seu sino.

Como abafar as ondas sonoras do sino
que se prolongam ainda nos tímpanos
do menino antigo?
E ressoam ainda mais
nos pavilhões sem paz do ouvido,
indo em ondas pelo labirinto
nos pavilhões acústicos do ouvido,
indo em ondas (o som) pelo labirinto,
quase deixando zonzo Nezinho
sem lhe causar, apesar de tudo, labirintite.

Seguem então as ondas sonoras
atravessando tubos e canais do seu ouvido,
sem perder, no entanto, o sineiro,
o equilíbrio.

E enquanto anda e enquanto reza,
segue Nezinho perseguido por essa avalanche
que lhe alcança o centro auditivo
(e não emotivo) do cérebro,
que interpreta essa sensação que vibra nos tímpanos
como sendo som de sino
de uma torre de igreja barreirense

E não é apenas sensação,
é real a vibração para quem tem
os joelhos e os pés plantados
em terra firme, no chão de Barreiras.

Clerbet Luiz

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