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Palavreado Barreirense

Jarda veste Prada

Palavreado Barreirense, coluna semanal do poeta Clerbet Luiz…

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Palavreado Barreirense

A jovem Jardelina do Prado, das famosas noitadas da boate barreirense, nas década de 70 a 90 | Foto: Acervo familiar

Jarda veste Prada.
Atire a primeira pedra
quem não teve
vontade de vestir Prada,
Yves Saint Laurent,
Pierre Cardin,
tendo a tiracolo
Louis Vuitton.

Sou mais meus
vestidos de chita
e minhas sandalhinhas havaianas.
Muito mais chique!
Tudo bem, dona menina.
Gosto não se incute.

Por acaso,
Jarda foi seduzida
ou convencida a usar Prada?
Quem usa Prada
foi incutida a usá-la?

Tudo bem, dona menina.
Toda menina baiana
tem um santo e um gosto que Deus deu,
que Deus dá.

II

Ainda nova, Jarda
se guardava para a jovem guarda.

Depois de um resguardo
pós parto,
Jarda virou pro regozijo
e disse pra vida:
“me aguarde!”

Apesar da vida
amarga e árdua,
não se via Jarda
assim amargurada.

Jarda era uma fêmea
além do seu tempo,
luxuriosamente falando.

Além da pacata cidade,
que tolhe o pecado do mundo;
Agnus Dei,
qui tollis peccata mundi.
Miserere nobis.

A pequena cidade
que tirava a pacata liberdade da mulher recatada;
que tolhia a libertinagem
de libertas personagens
que viviam à margem
do rio Grande.

Miserere nobis.
Tende piedade de nós,
e da miséria do nobre,
e da gastança do pobre;
e do plebeu sem cobre.
e da fome do pobre.

III

O seu porto não era
dos errantes,
dos barqueiros,
caminhoneiros, ambulantes
ou de quem não tem
mais nada.

Eu a vi desde menino,
na garagem, na cantina,
atrás do tanque, na varanda,
atrás de uma igrejinha
da Silva Jardim ou das Palmeiras
que beira o rio, fora do palco.

Ela não era rainha
dos sedentos
nem dos poucos nazaros
ou muitos lazarentos
ou de quem não tem
mais nada.
Não. Ela não era desse tempo.
Era além do nosso entendimento.

Nem todos que negam
ser tortos
das bandas do cais do porto
foram dela namorados.

Quem de longe
a espia e espreita?

O ciúme lança sua flecha preta.
A inveja tenta acertar
na mosca zureta.
Tenta fazer gol de letra.
E as vacas de divinas tetas
jorram leite bom
na cara dos caretas,
ou leite mal na carapuça dos puretas.

Senhores juízes
do veredicto cego,
que querem espiar
alheios umbigos.

IV

Senhores juízes
do corte
da roupa cavada,
estará em vossas mãos
nossa sorte
sob vossas espadas?

Senhores meritíssimos
que aplicam o castigo
ao ousado vestido
conforme o inciso
do próprio sorriso,
segundo o artigo
do louco, leso e liso,
quem julgará,
inocentará ou condenará o que é
e o que não é vulgar?

Clerbet Luiz

Palavreado Barreirense