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Brasil: terra de índio?

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teste-internoDepois de dois dias, terminei de ler o Relatório Figueiredo (produzido em 1967, mas “descoberto” somente este ano, em abril), não na íntegra, em suas 7 mil páginas, mas um resumo de 68 páginas. E mesmo tendo lido tão pouco, fiquei assombrada e horrorizada com a violência institucional sofrida pelos povos indígenas durante a ditadura militar – e que segue até hoje, mesmo na chamada democracia, através do abandono, da despersonalização e da marginalização da população nativa.

Distribuição de medicamentos com cianureto, cobertores infectados com vírus, torturas, trabalho escravo, chacinas, estupros, venda de índios, de madeira, de minérios, de artesanato indígena, arrendamento e venda de terras indígenas com o apoio do Estado… as barbaridades não tiveram limites e o Serviço de Proteção ao Índio (SIP), órgão ligado ao Ministério do Interior, que deveria proteger os nativos das violações cometidas pelas chamadas “frentes civilizatórias”, deu todo o seu aval.

O Relatório cita que toda uma tribo, localizada em Itabuna, na Bahia, foi extinta através do vírus da varíola inoculado nos infelizes indígenas para que se pudesse distribuir suas terras entre figurões do governo. A seguir, o documento aponta que os Cinta-largas, em Mato Grosso, teriam sido exterminados com dinamite lançada de avião e à estricnina adicionada ao açúcar “enquanto os mateiros os caçam a tiros de ‘pi-ri-pi-pi’ (metralhadoras) e racham vivos, a facão, do púbis para a cabeça, o sobrevivente!!!” (pág. 7). Já na página seguinte: “Em Mato Grosso, as ricas terras do Nabileque foram invadidas por fazendeiros poderosos e é muito difícil retirá-los um dia”.

O Relatório é um conjunto probatório assustador, que deixa claro que famílias tradicionais se apossaram de terras indígenas em Mato Grosso, e tudo que estamos presenciando hoje, é reflexo desse passado tenebroso e bárbaro, cometido pelo Estado em terras indígenas e contra os índios.

O índio brasileiro tem sido um estranho nativo para o Estado e para a sociedade também, que nunca souberam e tampouco tem interesse em saber como resguardar o índio e seus direitos. Prova mais recente disso é a construção da usina de Belo Monte e o assassinato do índio terena Oziel Gabriel Alves, de 34 anos, em mais um conflito fundiário, onde a força federal, através da polícia e com o consentimento de Brasília, fazia cumprir à bala uma ordem de reintegração de posse em Sidrolândia (MS), em favor de fazendeiro, onde mais uma vez, povos indígenas saíram perdendo, seja a vida, seja a terra.

Na página 9 do documento, lê-se: “O patrimônio indígena é fabuloso. As suas rendas alcançariam milhões de cruzeiro novos se bem administrados. Não requereria um centavo sequer de ajuda governamental e o índio viveria rico e saudável nos seus vastos domínios”. E é em nome deste patrimônio fabuloso, que governos seguem ignorando, desrespeitando, omitindo-se e espoliando povos valentes e históricos, reduzindo índios à condição de miseráveis, a uma mera sombra do que foram antes dos colonizadores “descobrirem” o Brasil.

Na presidência do país desde 2011, a petista Dilma Rousseff jamais recebeu lideranças indígenas. Contudo, a presidenta mantém relações estreitas e promíscuas com a base ruralista, desfigurando o processo de regularização das terras para atender interesses econômicos e políticos. As populações indígenas representam hoje apenas 0,4% da população, ou seja, não garante maioria no Congresso Nacional, tampouco tem estofo para financiar campanhas políticas.

O Relatório Figueiredo traz à tona (com nuances perversas) o que o governo brasileiro já sabe há décadas: a ocupação de inúmeras terras nas regiões Sul e Centro-Oeste é fruto de grilagem, desapropriações irregulares e outros crimes de máxima gravidade. A saber, a população indígena ocupa apenas 13% do território nacional e a quase totalidade de suas terras está localizada na Amazônia, em áreas de florestas.

O fato é que enquanto nativos forem tratados como invasores de uma terra que lhes pertence antes mesmo da famigerada descoberta do Brasil, esse país jamais poderá ser chamado de “terra de índio” – ainda que em tom jocoso.

Cathy Rodrigues
Jornalista – DRT-BA 4317
cathyannesr@hotmail.com

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