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Direito

“Vidas pretas importam”: a (im)prescritibilidade do crime de injúria racial

O Estado tem um tempo máximo para julgar alguém que praticou um crime e aplicar uma pena

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Vidas pretas importam

Felipe Mello de Almeida* | Luiza Pitta**

Hoje, dia 02 de dezembro, terá continuidade um julgamento histórico (HC nº 154.248) – que teve início no dia 26 de novembro, no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual se discute a possibilidade do reconhecimento da prescrição no crime de injúria racial.

A prescrição nada mais é do que o reconhecimento da perda do poder/dever do Estado de aplicar uma punição, pelo cometimento de um crime, em razão da demora da tramitação do processo (ou investigação). Significa dizer que o Estado tem um tempo máximo para julgar alguém que praticou um crime e aplicar uma pena. Quando este tempo não é respeitado ocorre a prescrição, ou seja, o Estado perde o direito de impor uma pena (no direito – ocorre a extinção da punibilidade).

Para os investigados (ou acusados) que possuem entre 18 e 21 anos, bem como para os maiores de 70 anos, por política criminal, o prazo prescricional é calculado pela metade (art. 115 do Código Penal). No Habeas Corpos, em questão, a defesa sustenta exatamente isso, tendo em vista que a pessoa que em tese praticou o crime possuía à época dos fatos 72 anos.

Nos autos do Habeas Corpos em questão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido da defesa, por entender que “com o advento da Lei n. 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão”. Assim, segundo o entendimento do STJ, o crime de injúria racial se equipara ao crime de racismo que, conforme disposto na Constituição Federal (art. 5º, inciso XLII), é imprescritível, não existindo, portando, qualquer possibilidade daquele que comete esse tipo de crime ser socorrido pela demora do processo.

Sendo assim, por se tratar de uma demanda com acentuada repercussão social, foi determinada a preferência em seu prosseguimento. Em 05 de novembro do presente ano, o relatório dos autos (resumo) foi disponibilizado, possibilitando que algumas entidades, como movimentos sociais, que trabalham diretamente com o tema, mediante lutas históricas, ingressassem no processo (AMICI CURIAE), como terceiros interessados contribuindo com a demanda.

Com base no pedido das entidades mencionadas, é possível compreender e se sensibilizar com a luta histórica do movimento negro no Brasil, deixando claro que “a própria interpretação histórica e teleológica do crime de injúria racial demanda que ele seja admitido como racismo”. Outrossim, argumentam que “não faz nenhum sentido lógico-jurídico afirmar-se que ofender um indivíduo integrante de minoria racial, por elemento racial, não configuraria racismo, ao mesmo tempo em que (corretamente) se entende que ofender uma coletividade racial, por elemento racial, configura racismo”.

Por se tratar de uma questão relacionada à construção de uma tese jurídica a respeito de matéria, com acentuada repercussão social, especialmente no que se refere às relações raciais no Brasil, as entidades foram admitidas no processo como parte interessada.

No dia 26 de novembro do presente ano, quando do início do julgamento, o Ministro Edson Fachin proferiu seu voto pela imprescritibilidade do crime de injúria racial, nos termos da decisão firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Diante das recentes manifestações, não só no país, mas também pelo mundo inteiro – “vidas pretas importam”, sem nenhuma dúvida o julgamento será emblemático e paradigmático para a jurisprudência nacional, com um efeito cascata para as instâncias inferiores.

Por óbvio, restarão muitas contradições que poderão ser resolvidas no futuro, tendo em vista que o crime de injúria racial, ao que tudo indica, não poderá ser alcançado pela prescrição, no entanto nada impede que um homicídio cometido por motivação racial seja. A decisão paradigmática deste julgamento justificará que o mesmo entendimento se estenda para todos os crimes praticados por motivação racial, o que seria o mais coerente, especialmente com este possível novo entendimento.

*Felipe Mello de Almeida é advogado criminalista, especialista em Processo Penal, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu.
**Luiza Pitta é advogada, Pós-Graduada em Direito Penal Econômico e associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM.

Sobre a FM Almeida Advogados
O escritório atua exclusivamente na Área Penal, defendendo os interesses de investigados e vítimas em procedimentos administrativos e processos judiciais em todo o território nacional, por meio de parceiros altamente comprometidos e capacitados. A expertise, adquirida nestes anos, possibilita ao escritório absorver qualquer demanda criminal, atuando na defesa de pessoas jurídicas e pessoas físicas.

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